Quarta-feira, 2 de Abril de 2008

II Capitulo

O tao esperado

 

 

II capítulo

 

 

Depois de uma noite agitada...
Com o cansaço da viagem ainda não nos tinha, saído o barulho do comboio das nossas cabeças (pouca terra, pouca terra, pouca terra.)
Era assim, que por fim demos nome ao barulho que se infiltrou em nossos ouvidos e teimava em não sair.
Acordamos uns atrás dos outros, ou aliás uns acordaram os outros e corremos procurar nossa mãe…
Naquele momento sentimos deslocados, aquilo tudo não era o nosso mundo, o sentimento do medo e da insegurança se instalou….
O meu irmão mais velho António José, já sentia a responsabilidade nos ombros e fazia-se de forte…
Olhar esguio sorriso seguro e (a cabaninha do menino Jesus na testa)
tenho de explicar esta:
Pois bem a cabaninha do menino Jesus, era um corrupio no cabelo por cima da testa, que lhe fazia como se fosse um telhado no alto e por baixo era oco, uma gruta (também era assim que faziam a cabaninha do menino Jesus no presépio da igreja da aldeia.
E nós garotos, para lhe arreliar dizíamos que ele trazia a cabaninha do menino Jesus na testa.
Então ele cheio de segurança disse:
Não tenham medo aqui é a nossa casa nova.
Enquanto nós íamos olhando desconfiados de um lado para o outro , ele dirigiu-se para a televisão e lá começou a mexer sem saber ao certo o que fazia…
ficamos de olhos arregalados…
Naquela caixa preta tinha pessoas normais a cores,  a falar e a mexerem-se!!!
Oh mas que estão essas pessoas aí a fazer? E por onde entraram elas? Fomos a correr para trás da televisão ver se tinha uma porta, mas nada…
ficamos meios sem saber o que pensar era um truc de magia, sei lá ao certo as mil ideias que nos passaram pela cabeça….
Mas o mais estranho é que pareciam ser simpáticas, elas sorriame falavam dirigidas para nós...
Mas nós não entendíamos nada do que diziam…

Nós os mais pequenos perguntamos ao meu irmão mais velho que apenas tinha 15 meses mais do que eu…
Tone Zé o que eles dizem? Nos não entendemos nada…
ele todo cheio de segurança disse: isto é Francês e está a dar os bons dias e dizer o programa de hoje…
E nós outros ficamos boquiabertos como o nosso irmão era inteligente, não tivemos tempo de pensar em mais nada que ouvimos vozes dos nossos pais do outro lado do quarto…
A correr e aos gritos fomos ao encontro deles, lá estava minha mãe a analisar o que havia na cozinha e como funcionavam todas aquelas coisas novas (Fogão, frigorifico o aquecimento a carvao) já era uma grande dor de cabeça saber ao certo para o que serviam e como funcionavam…
O meu pai lá lhe ia explicando o que sabia, repentinamente o nosso olhar vai para cima da mesa…
Um pão muito comprido e muito fino, olhos arregalados dissemos o que é isto?
Meu pai explicou que era uma (baguette) pão francês…
E já estávamos de sorriso nos lábios, a fome já tinha chegado devoramos a (baguette,) que bom estaladiço, era comer e morrer por mais…
Bem pelo comer, já foi bom vir para França tinha pães grande pensamos nós.
Abrimos a porta que dava para o corredor que nos dirigia ou para o quintal (Terreno por trás da casa), ou para o pátio da entrada, e para o sótão enfim muito terreno para descobrir….
Olhamos de um lado para o outro confusos sem saber a direcção que iríamos tomar e de repente ouvimos vozes que vinham de trás de casa….
Em banda lá fomos nós a correr para o jardim, era um pedaço de terreno mais pequeno do que em Portugal, mas muito arrumadinho tudo em linha e certinho e havia muitas flores até erva verde muito certinha…
havia uma rede no fim do jardim que fazia com que a visão fosse possível para o que estava do outro lado…
então vimos muitas crianças a brincarem do outro lado, meios escondidos espreitávamos o que eles faziam…
Nós de cabelos e olhos escuros, pele morena com roupas ao escuro também…
víamos crianças brancas, de cabelos loiros, outros até ruivos com uma pintas castanhas na cara de roupas multicolores pareciam arco íris…
Nós ficamos ali parados um tempão sem nos mexermos que era para eles não nos verem, do nosso jardim podia-se ver o recreio de uma escola…
Eles eram diferentes no sentido que as roupas deles era nova sapatos a briharem  e todos muito bem penteados, brincavam com brinquedos diferentes dos nossos...
Saltavam á corda individualmente, ou saltavam ao elastico onde precisavam serem 5, com bolas de berlim de cores lindas ( Já nao era com botoes como faziamos) e outros jogavam futebol com uma bola verdadeira que rolava muito.
Depois tocou uma campainha e sem darmos conta tudo corria de um lado para o outro e se colocaram em fila indiana e uns depois dos outros lá iam entrando para o edifício…
Ali ficamos parados a olhar uns para os outros, parecíamos refugiados com medo do que estávamos a observar, era uma novidade assustadora…
Quando nos sentimos em segurança que ninguém nos via então regressamos para dentro de casa.
Ainda a explorar os recantos á casa, pois era enorme e diferente do que conhecíamos, que precisamos muito tempo para conhecer todos os recantos…
E quando ouvíamos gritos de crianças, não era preciso dizer nada, todos nós deixava-mos o que tínhamos nas mão e corríamos para o quintal, para o nosso refúgio , observar o que eles estavam a fazer…
Os dias foram passando e nós íamos habituando á nova vida…
As ruas todas em alcatrão, não havia os nossos caminhos de terra batida os nossos muros de pedra e as flores a crescerem no meio delas.
Em França as estradas eram limpas, nunca víamos papéis ou outras sujidades espalhadas.
De onde a onde existiam baldes para se colocar o lixo, vivíamos noutro mundo tão diferente.
Já não podíamos correr pés descalços pelas ruas, nem brincar os nossos jogos (aros, pneus bolas de pano e arreia). Só podíamos brincar em casa.
Minha mãe poucas vezes sorria, nós olhávamos para ela fazíamos perguntas ela respondia sempre com um sorriso e olhar triste.
Por vezes víamos ela a chorar, não entendíamos porquê de tanta tristeza.
Meu pai ia trabalhar como pedreiro, saia cedo e regressava no fim da tarde, por vezes discutiam, ou porque nós tínhamos feito asneiras, (Claro isso não podia faltar éramos traquinas)
Ou por razoes económicas deduzo eu, pois a vida não era fácil, ou por outras razoes que nos passavam despercebidas.
Ouvi muitas vezes a minha mãe chorar e dizer, não aguento mais, quero  ir embora…
Mas o tempo ia passando e nós íamos vivendo no nosso mundo novo...
Lembra-me que havia lá em casa uma máquina de lavar a roupa que tinham oferecido ao meu pai…
já por si ter máquina de lavar roupa, era novidade e aquela tinha uma particularidade muito engraçada para nós. Tinha-se de colocar a água ao balde, depois ela lavava e rejeitava água e tinha de se colocar novamente água limpa ao balde até acabar de lavar a roupa.
Mas um dia essa máquina avariou e minha mãe lavava a nossa roupa á mão e numa bacia…
Até o meu pai decidir e fez-lhe um tanque em pedra e cimento para se lavar a roupa, e foi feito nesse pátio da entrada que eu tanto escrevi, tinha um telhado para caso de chover minha mãe não se molhar…
Passava muita parte do tempo dela, a lavar no tanque e era lá onda a víamos muitas vezes a chorar…
Evidentemente que ficávamos tristes e chorávamos também. Por vezes minha mãe cantava músicas tristes do nosso país, que nos fazia recordar o meu irmão Fernando.
Que teve de ficar em Portugal, porque não tinha passado na visita médica por causa dos pulmões dele, estavam enfraquecidos…
Então as saudades começavam a roer-nos a alma, o aperto no coração começou a ser mais presente.
Começamos aperceber da tristeza da minha mãe, como também percebemos que as musicas que ela cantava eram quadras dela, dirigidas ao filho que teve de deixar.
Gostávamos de a ouvir cantar, mas ao mesmo tempo doía, sentirmos a falta do nosso irmão que não podia brincar connosco.
Minha mãe começou a escrever quadras para meu irmão, e ia guardando para um dia lhe entregar, para que ele percebesse o quanto ela vivia triste por ele não estar presente, e que não o tinha abandonado.
Escrevia sempre para a família em Portugal para saber notícias do filho, mas os correios naquele tempo demorava semanas até receberem as cartas e as notícias eram poucas.


Mais uma vez tenho de admitir, que criança faz mesmo asneiras e mais tarde se arrependem...
Uns com os outros a brincar, destruímos as quadras que minha mãe escrevia, e hoje poucas tenho para poder publicar o grito de dor que uma mãe sente quando não pode ter os filhos a seu lado.
Ainda consegui recuperar alguns e aqui podem ler e sentir o desgosto que uma mae transporta no coração…

Querido filho o amor é tão grande
não tem largura nem comprimento
eu vá por onde for
estás sempre em meu pensamento

Eu vivo muito triste
por não estar aí
mas a vida assim o quis
que eu sem ti, viesse para aqui


Filhos, nomes tão queridos,
Nomes, que tanto adoro
bem devem adivinhar
Por quem tantas vezes eu choro

O meu pobre coração
 tem tanto para sofrer
ainda falta tanto tempo
para te tornar a ver

Ó meus queridos filhos
 que tanto bem vos quero
vos desejo toda a sorte do mundo
é tudo que eu quero.

Sinto-me, muito triste
a culpa não é de ninguém
acho que foi o destino
que me abandonou também

 

o meu coração
 de duro se quer fazer
a tristeza é tamanha
que não consigo a combater

 

Escrevo tanto, tanto
não quero que me chamem de louca
tudo, isto é do coração
o que sai da minha boca…

 

E foi com este sentimento de dor que minha mãe, viveu as saudades que sentia do filho. 
Ter de aguentar a distância do olhar, do abraçar, do beijar e lhe pegar ao colo, ele era tão pequenino precisava tanto do seu amor e carinho….

 

Aguardem o próximo capítulo …

 

música: Esta longa caminhada / Fado
sinto-me: emigrante

publicado por Alzira Macedo às 10:12
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6 comentários:
De Hugo Jorge a 2 de Abril de 2008 às 10:39
Gostei do seu post. Convido-o/a a visitar o meu blog.


De Jose Marques a 2 de Abril de 2008 às 13:41
Agora só te darei os parabens no final desta impressionante historia de vida....Porque nessa altura para alem de te dar os parabens incentivo-te a passar para livro.
Excelente narração, bem explicita, que vai prendendo a curiosidade do leitor sempre á espera do que vem a seguir....continua essa memória está muito fresquinha....Até ao próximo capitulo....Adorei
J.M.


De id a 3 de Abril de 2008 às 09:41
Vida de emigrante que também conheci.
Muitas recordações que o tua história me fez lembrar.

Imagino o quanto a tua mãe sofreu por ter deixado
um filho em Portugal.
Eu não seria capaz.
Gostei e aguardo o resto da tua história.

Um bom resto de semana.
Bj.


De sonho a 5 de Abril de 2008 às 23:34
Olá minha querida,doce,e adorada amiga!

Pois é linda,meu tempo não anda lá muito famoso,mas como prometido aqui estou eu a comentar mais um brilhante post,pois não foi por acaso que elegi um dos melhores blogs que conheço,pela maravilha de posts que aqui escreves!
Não vai ser muito facil comentar,pois acabei de chegar do dragão,afinal hoje estou feliz pelo meu clube,diria que é um presente de aniversário antecipado...lol
Mas vamos lá tentar então....
Como disse no capitulo 1,não é facil ser imigrande,mas com a tua história,venho realmente aprender que ainda é pior do que pensava,muito mais,por isso admiro-te bastante como sabes,ainda mais quando partilhas a tua vida por quem te visita.
Irei ficar atento para o próximo linda,ando afastado,mas nunca esqueço a beleza de pessoa que es.
Beijinhos,bom domingo.
Sonho


De Viajante dos Ventos a 15 de Abril de 2008 às 19:41
Essa parte de sua história é marcante pela unidade familiar existente, apesar das dificuldades, principalmente, por serem obrigados a deixar o Fernando para trás por ocasião da partida.
Este capítulo tem início com a narrativa de episódios interessantes como a brincadeira com corrupio no cabelo do Tone Zé e também a responsabilidade e a inteligência já ali demonstrada por ele. Gostei também da parte da baguette e a “NOVIDADE ASSUSTADORA”. Risos... Tudo muito original, adoro...
No decorrer da narrativa ainda pude perceber a tristeza e ao mesmo a valentia de sua mãe. Já admirava a Bia Nora e agora passo a admirar ainda mais (mulher guerreira e vencedora). Parabéns e valorize mais e mais essa mãe maravilhosa que tens.
Tudo o que está sendo escrito por ti é lindo e o que posso te dizer é que realmente o amor é sem medida e é ele quem não deixa esquecer a pessoa amada (me referindo aos sentimentos mostrados pela BIA NORA na quadra escrita para o teu irmão Fernando em momentos de profundas dores sentidas).
Concluindo querida ALZIRA, esse segundo capítulo me fez recordar alguns momentos tristes que tive em minha vida por ocasião da separação de meus pais, onde fui tirado de minha mãe e fiquei afastado dela por longos 10 anos (dos 07 aos 17 anos) e que deixaram cicatrizes até hoje ainda abertas. Assim concluo, grande abraço e até a próxima.
Viajante dos Ventos


De TiBéu ( Isa) a 13 de Maio de 2008 às 19:08
Agora foi com a lagrima no olho que , ups que história, passaste um bom bocado. bj


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